Eu, o Ramos e o Armindo concluímos que, dada a impossibilidade de as famílias voltarem para o Quitexe e para as fazendas, o melhor seria requisitar um avião e evacuá-las para Luanda, onde estava tudo calmo. Feitas as diligências junto da DTA o avião só viria ao Uíge se nós nos responsabilizássemos pelo pagamento. Eu e o Ramos assumimos a responsabilidade, com a garantia de que o avião chegaria ao Uíge por volta das três da tarde. Não havia sacos nem malas pois as mulheres e crianças embarcavam com a roupa que traziam no corpo. A pedido do Ramos vou para o aeroporto controlar as entradas no avião para que só mulheres e crianças embarquem.
Enquanto se preparam as carrinhas para levar as pessoas escoltadas para o aeroporto, aparece o Abel Poço, completamente destroçado, pedindo-me para o acompanhar no funeral do irmão José Poço que tinha sido morto na sua fazenda. Estava sozinho e queria que alguém conhecido o acompanhasse. Gostaria de ter ido mas não podia: em breve chegaria o avião e eu queria dar talvez o último adeus à Aline e aos quatro filhos. Já no aeroporto e com o avião na pista os pilotos tomam conhecimento do que se está a passar e ficam muito surpreendidos pois em Luanda não há conhecimento de nada. E prometem que, se houver condições, voltarão antes do anoitecer. Mas as condições atmosféricas não o permitiram.
Na hora do embarque aparece um casal para apanhar boleia para Luanda. Disse-lhes que o avião havia sido fretado por nós e só permitiria que a mulher embarcasse, e ela lá entrou. Mas o marido, já em tom agressivo insistia em entrar pois a mulher sofria do coração e não podia ir sozinha. Digo-lhe que também eu tinha a bordo a mulher e quatro filhos e era com o coração destroçado que os via partir. Agora não é hora para os homens partirem. Já com o avião apinhado de gente, e prestes a levantar voo, vou-me afastando da pista. O avião lá levantou, mas o homem que, à viva força, queria entrar não o vi mais. Pergunto ao polícia:
- O homem?...
- Conseguiu embarcar e lá vai a guardar a mulher!
Agora, que o avião partiu, a minha preocupação é regressar ao Quitexe. Não tenho transporte pois vim à boleia. Procuro saber se alguém vai. No Ricardo Jorge, que tem loja e fazenda no Quitexe, informam-me que ao cair da noite tem uma carrinha que vai e eu posso aproveitar. Entretanto, alguém que acabou de chegar do Quitexe conta-me que alguns brancos dizem não se responsabilizarem pela minha vida se lá voltar. Que eu andava feito com os pretos e que sabia o que ia acontecer. Ora quando me despedi da família, no aeroporto, despedi-me com a sensação de que nunca mais os veria, pois estava decidido a não abandonar a fazenda. Quem não deve não teme e parti na carrinha. Quando tínhamos andado uns 20 km, uma carrinha vinda do Quitexe, a grande velocidade e sempre a apitar, para junto a nós.
- Não vão para o Quitexe! A fazenda do Garcia está a ser atacada!
Todos nos interrogamos :
- Que fazer? Seguir ou voltar?
Apenas eu queria seguir, visto ser a minha fazenda. Mas não os demovi e voltamos para o Uíge.
Como é possível que tanta tragédia aconteça num só dia? Mas era apenas o começo
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