Sexta-feira, 20 de Julho de 2007

GENERAL HUMBERTO DELGADO

Este ódio da Pide tinha motivações mais antigas:

 

 

Corre o ano de 1958 e há eleições para a Presidência da República. Três concorrentes: Almirante Américo Tomaz, Dr. Arlindo Vicente e General Humberto Delgado. O Dr. Arlindo Vicente desiste a favor do General que congrega o apoio de toda a oposição ao regime.

 

 Eu e os meus irmãos, descendentes de republicanos e democratas bem cedo abraçamos os ideais da liberdade e democracia. No entanto, o espaço de manobra para divulgar estes ideais era estreito e repleto de ameaças de toda a espécie. Havia que aproveitar as pequenas aberturas do regime  no período eleitoral, embora a derrota já fosse anunciada pois os arautos do fascismo proclamavam publicamente não sair nem a votos nem a tiros. Mesmo assim o meu irmão Alfredo e eu, conscientes desses perigos, recebemos, em nome do General Humberto Delgado uma procuração para o representar no acto eleitoral no Posto Administrativo do Quitexe. Procuração esta subestabelecida por um advogado de Luanda, Dr. Lima.

Naquele ano de 1958 havia no Quitexe uma relação fraternal entre as pessoas brancas. Todos se davam bem e a política não era o assunto que mais as motivava; os temas de conversa eram os problemas locais como o preço do café, as estradas esburacadas, a chuva que não vem, o Chefe do Posto, o Administrador, o Governador que não aparece, etc, etc. Aliás os Portugueses já estavam habituados a não falar de política, pois só nas eleições havia uma ligeira abertura, mais para efeitos de propaganda exterior do que propriamente  para os chamados oposicionistas que viviam espartilhados entre o poder do Estado e o terror da Pide.

 

As eleições aproximam-se e o Chefe do Posto, o Barreiros, tem conhecimento que o meu irmão Alfredo, ele mais do que eu, encabeça a oposição, e que nos preparamos para fiscalizar a mesa de voto. O Chefe do Posto entra em pânico, pois prevê que se as eleições não forem uma chapelada de 99% a sua permanência no Quitexe estará em risco. Para ele, pessoalmente, diz que tanto lhe faz que ganhe o General como o Almirante. Então, somos pressionados para desistirmos da fiscalização oficial das eleições. Ele até nem se importa que nós os dois votemos no General... Nós contestamos dizendo que entre 15 a 20 eleitores vão votar Humberto Delgado. Ele não acredita e até é feita uma aposta de uma caixa de Whisky: se nós tivéssemos mais de 10 votos ele perdia a caixa, caso contrário, pagávamos nós. Nestas terras não é  de boa política dizer não ao poder administrativo, mas nós éramos amigos e ele, sobretudo, o que queria era não ser transferido para outro lugar.

 

            Entretanto, eu já havia colocado um grande póster do General na parede da casa. O póster era encimado com as palavras – “General Humberto Delgado candidato à Presidência da República”, seguia-se a sua fotografia com a farda militar de general da Força Aérea e, logo a seguir, em letras bem grandes o slogan:

 

     EM NOME DA PÁTRIA ME PEDIRAM, EM NOME DA PÁTRIA ACEITEI

 

Este cartaz manteve-se afixado para lá das eleições, até que o sol e a chuva o destruíram. Era a presença do farol da luta pela democracia bem no interior de Angola.

 

            As eleições lá se realizaram: o Pinto Antunes, da Firma Matos Vaz era o presidente da mesa e foi acordado que só contavam os votos dos eleitores que pessoalmente se apresentassem à votação. Não foi permitida a chapelada e, em vez dos 105 votos previsíveis para o Almirante Tomás (tantos quanto os eleitores inscritos), foram escrutinados 60 votos, 40 para o Almirante e 20 para o General. As listas, por imposição do Dr. Assoreira foram queimadas para evitar que, através das impressões digitais, se pudesse vir a saber o sentido de cada votante.

 

Moral da história: perdemos as eleições, ganhamos a aposta e ficamos marcados pelos governantes que daí para diante só nos criaram entraves. A Pide, essa, nunca mais nos perdoou...

 

O Chefe do Posto Manuel da Silva Barreiros, felizmente, não foi transferido.

publicado por Quimbanze às 19:54

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