Quarta-feira, 22 de Agosto de 2007

A PIDE

Mas só estes factos não seriam suficientes para esta detenção. Deveria ter havido denúncia por parte de alguém...
Volto ao Quitexe onde o convívio social dia a dia se degrada. Para mim resta apenas o Dr. Assoreira como amigo de confiança e é com ele (que, como eu, se recusa a abandonar a fazenda e o Quitexe) que confidencio as minhas amarguras que são grandes.
Assim dei-lhe conhecimento de que havia sido detido pela Pide e estava agora muito preocupado com a situação do meu irmão Alfredo, em Luanda. O Dr. Assoreira já sabia da minha detenção e até havia comentado, junto das autoridades, que eu estava a ser vítima de uma acusação sem qualquer fundamento. Esta acusação partira de comerciantes do Quitexe que tinham inveja do meu relacionamento com todos os indígenas, pois como comerciante eu comprava sozinho mais café que todos eles juntos.
Mais tarde vim a saber o nome dos três comerciantes que haviam feito a queixa à Pide.

Dei conhecimento, também, ao Dr. Assoreira de outra situação que me afligia. Temia, que no meio das acusações, a Pide fosse à casa do Quitexe e encontrasse lá, no antigo quarto do Romão, as caixas de pólvora Bracarena e as caixas de balas que o Romão e o Bastos utilizavam nas caçadas. Da pólvora, já ele tinha conhecimento pois ele próprio havia levado uma parte das caixas para fazer explodir na pedreira e arranjar pedra para os alicerces dos acampamentos e armazéns que andava a construir.
- Não te preocupes, eu sei disso, e se houver alguma coisa , eu esclareço tudo.

Mas, para evitar confusões, e não ser apanhado em teias ardilosas, resolvi desfazer-me de tudo. As balas fui-as deixar numa mesa onde um cabo do exército estava a receber todo o género de cartuxos ou balas que os civis tivessem em casa e não fossem necessários para a sua defesa. Sem me identificar, aproveitei a ausência momentânea do cabo e lá as deixei. Faltava agora a pólvora, que resolvo levar para a casa de banho; aí, caixa a caixa, vou-as despejando pela pia abaixo com a ajuda de baldes de água. E as caixas, que de lado eram de cartão , mas com o fundo e o cimo em lata? Com o pé fui esmagando uma a uma até que ficassem bem espalmadas. De seguida, levanto a tampa da fossa e para lá as atiro. Senti um grande alívio, pois se a Pide viesse já não encontrava motivo para novas falsas acusações e os “turras” da UPA, caso entrassem no Quitexe, também não encontrariam pólvora para carregar os canhangulos.
Mas, atenção, havia, ainda, uma série de livros do meu irmão, proibidos pela censura. Arranjei um alçapão e escondi-os no vão de telhado. Tudo isto em surdina, com medo de ser detectado, o que me causava uma ansiedade e um stresse inimagináveis.
Hoje, quando tinha o jipe parado junto ao bar do Pacheco, o bandido do traidor da pide vem dizer-me que o vai levar:
- Foi mobilizado pela Pide!
E lá arranca a caminho do Uíge. Agora tenho as carrinhas Ford e Chevrolet para me deslocar à fazenda. Mas chegando ao cruzamento do Talambanza tenho que meter correntes pois as rodas patinam na lama e a carrinha não avança. De volta, a operação inversa já que a estrada para o Quitexe é asfaltada e não se pode andar com correntes. Andar nas picadas da fazenda é impossível: o lamaçal é grande e só mesmo de jipe. Indignado vocifero:
- Filho da puta do pide!
E, assim, durante dias, só à distância avisto o meu jipe que o pide manobra como sendo seu. Certo dia vejo a viatura parada junto do Chefe do Posto e do Tenente (Comandante Militar do Quitexe) que estão em conversa com o pide ladrão. Consigo aproximar- me, sem dar nas vistas, e chegado junto aos três homens digo-lhes ao que venho, apontando para o pide:
- Este senhor apoderou-se, há já muitos dias, desta viatura dizendo-me que ela havia sido mobilizada pela Pide. Durante todo este tempo não recebi nenhuma intimação por escrito dessa decisão e como não a roubei, quero que a situação fique agora esclarecida.
O pide não me deixou acabar de falar, entregou-me as chaves do jipe e, sem qualquer comentário, afastou-se.
Eu andava num estado tal que já nem medo da Pide tinha, embora este homenzinho asqueroso fosse quem mandava no Quitexe. Tinha efectivamente um poder que se sobrepunha a todos os outros , incluindo o militar. Era ele que comandava toda a repressão e eu estava condenado a cruzar-me com ele a toda a hora. Assim, resolve um dia, com autorização superior, incendiar a sanzala do Ambuíla que confrontava com a minha fazenda.

publicado por Quimbanze às 20:29

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